No alvorecer de 1º de setembro de 1939, o mundo prendeu a respiração. A Polônia, uma nação renascida das cinzas da Primeira Guerra Mundial, tornou-se o epicentro de uma tempestade que engoliria o globo. A invasão alemã, seguida pela traiçoeira agressão soviética, não foi apenas o estopim da Segunda Guerra Mundial; foi o palco de uma resistência desesperada e heroica, de crimes de guerra que mancharam a consciência da humanidade e de mitos de propaganda que perduram até hoje.
Essa é a história de como a Polônia, abandonada por seus aliados, lutou com uma bravura inabalável contra duas das mais formidáveis máquinas de guerra da história.
O Pacto Molotov-Ribbentrop e a Condenação da Polônia

“Wonder How Long the Honeymoon Will Last?” (Será que a Lua de Mel Vai Durar Muito?). Esta é a charge política mais famosa sobre o Pacto Ribbentrop-Molotov. A ilustração mostra Adolf Hitler (vestido de noivo com suástica) e Josef Stalin (vestido de noiva com foice e martelo) em pose de recém-casados, com Hitler segurando um buquê de flores. Ao fundo, há um bolo de casamento decorado com suásticas e símbolos comunistas.
Uma semana antes da invasão, a Alemanha nazista e a União Soviética assinaram o infame Pacto Molotov-Ribbentrop, um acordo de não-agressão que selou o destino da Polônia. Os protocolos secretos deste pacto dividiam a Europa Oriental entre Hitler e Stalin, com a Polônia sendo literalmente riscada do mapa. Este acordo cínico entre dois regimes totalitários demonstrou ao mundo que, quando convinha aos seus interesses, comunistas e fascistas podiam colaborar na destruição de nações livres. A Polônia, que havia recuperado sua independência apenas 21 anos antes, encontrava-se novamente na mira de potências imperialistas.
Danzig e o SMS Schleswig-Holstein
Às 4h45min do dia 1º de setembro de 1939, o encouraçado alemão SMS Schleswig-Holstein, ancorado no porto de Danzig sob o pretexto de uma “visita de cortesia”, abriu fogo contra as instalações militares polonesas na Península de Westerplatte. Este bombardeio naval marcou o início oficial da Segunda Guerra Mundial.
Contudo, a agressão alemã havia começado horas antes, com ataques aéreos da Luftwaffe contra aeródromos poloneses e o bombardeio da cidade de Wieluń, que resultou na morte de 1.200 civis. A escolha de Wieluń como primeiro alvo não foi acidental: a cidade não possuía valor militar estratégico, servindo apenas como teste para as táticas de terror que os nazistas empregariam durante toda a guerra.
Blitzkrieg: Uma Nova Forma de Guerra

Blitzkrieg: tanque alemão avança sobre o território polonês durante os combates da Segunda Guerra Mundial.
A invasão da Polônia marcou a estreia mundial da Blitzkrieg, a “Guerra Relâmpago” alemã. A nova doutrina militar combinava ataques aéreos massivos, divisões blindadas concentradas e infantaria motorizada em uma ofensiva coordenada que visava quebrar rapidamente a resistência inimiga. Mais de 1,5 milhão de soldados alemães, apoiados por 2.750 tanques e 2.315 aeronaves, avançaram simultaneamente em múltiplas frentes. A superioridade numérica e tecnológica alemã era esmagadora: enquanto a Luftwaffe dominava os céus com caças modernos, a aviação polonesa dispunha principalmente de biplanos obsoletos. Contudo, esta disparidade não impediu que os poloneses lutassem com uma determinação que surpreendeu até mesmo os generais alemães.
Carga da Cavalaria da Pomerânia: Desmistificando a Propaganda Nazista

18º Regimento de Ulanos da Pomerânia (Pomeranian Uhlan Regiment). Fotografia histórica mostrando cavalaria polonesa em formação, provavelmente do 18º Regimento de Ulanos que participou da famosa Batalha de Krojanty.
Um dos mitos mais persistentes da Segunda Guerra Mundial é a imagem de cavaleiros poloneses, armados com lanças e sabres, atacando heroicamente, mas de forma suicida, os tanques alemães. Essa narrativa, amplamente difundida pela propaganda nazista, foi criada para ridicularizar o exército polonês, retratando-o como despreparado e primitivo. A verdade, contudo, é muito mais complexa e revela a eficácia tática da cavalaria polonesa.
Batalha de Krojanty
O incidente que deu origem ao mito ocorreu na Batalha de Krojanty, no primeiro dia da invasão. O 18º Regimento de Ulanos da Pomerânia, sob o comando do Coronel Kazimierz Mastalerz, encontrou um batalhão de infantaria alemão descansando em uma clareira próxima à linha férrea Chojnice-Runowo. Executando uma carga de cavalaria clássica e bem-sucedida, os 250 ulanos dispersaram completamente a infantaria inimiga, infligindo pesadas baixas. Contudo, durante a perseguição, foram surpreendidos por carros blindados alemães que emergiram da floresta, forçando os poloneses a se retirarem. Das baixas sofridas, qual sejam, 11 mortos e 9 feridos, nenhuma foi causada por tanques, mas sim por metralhadoras dos veículos blindados.
Ulanos da Pomerânia
A cavalaria polonesa, na realidade, era uma força de elite, treinada para lutar desmontada e equipada com armas antitanque, metralhadoras e morteiros. A carga a cavalo era uma tática específica contra infantaria, não contra blindados. Quando jornalistas alemães chegaram ao local e viram os corpos de cavalos e cavaleiros, a propaganda de Goebbels distorceu o evento, criando uma imagem falsa que, infelizmente, perdura até hoje. A revista militar alemã “Die Wehrmacht” publicou em 13 de setembro que os poloneses haviam “gravemente subestimado as armas alemãs”, resultando em um “ataque grotesco” contra veículos blindados. Esta narrativa falsa serviu para desmoralizar a resistência polonesa e justificar a superioridade alemã.
Resistência Heroica: Westerplatte e Varsóvia

Cidades polonesas são deixadas em ruínas durante a invasão alemã.
Apesar da esmagadora desvantagem numérica e tecnológica, e do abandono por parte de seus aliados, a Polônia não se rendeu sem lutar. A defesa de Westerplatte tornou-se um símbolo da resistência polonesa. Uma guarnição de apenas 182 soldados, comandada pelo Major Henryk Sucharski, resistiu por sete dias contra bombardeios navais, ataques aéreos e assaltos terrestres de uma força alemã muito superior. Os defensores, entrincheirados em bunkers e casamatas, repeliram múltiplos ataques, infligindo pesadas baixas aos alemães. Quando finalmente se renderam em 7 de setembro, haviam esgotado suas munições e suprimentos, mas não sua honra.
Batalha de Varsóvia

Ruínas perto da cidade de Varsóvia em 1939. A placa indica a direção da frente de batalha. Foto: Hugo Jaeger.
A defesa de Varsóvia foi ainda mais épica. A capital polonesa resistiu por 27 dias, com civis e militares lutando lado a lado nas barricadas. O prefeito Stefan Starzyński organizou a defesa civil, enquanto o General Juliusz Rómmel coordenava a resistência militar. Mulheres e crianças construíam fortificações, enquanto os homens lutavam nas trincheiras. Os alemães, frustrados pela resistência, recorreram ao bombardeio indiscriminado da cidade, matando milhares de civis. Quando Varsóvia finalmente capitulou em 28 de setembro, estava em ruínas, mas havia demonstrado ao mundo que o espírito polonês era inquebrável.
Apunhalada nas Costas: A Invasão Soviética

Fotografia histórica mostrando oficiais soviéticos (à esquerda) e alemães (à direita) confraternizando após a conquista conjunta da cidade polonesa de Brest-Litovsk. Os oficiais aparecem conversando de forma amigável, com um oficial alemão ao centro. Brest-Litovsk foi inicialmente capturada pelos alemães em 14 de setembro de 1939. Em 22 de setembro, a cidade foi transferida para o controle soviético conforme acordado no Pacto Ribbentrop-Molotov.
Enquanto a Polônia lutava desesperadamente contra a avassaladora Blitzkrieg alemã no oeste, uma segunda ameaça se materializava no leste. Em 17 de setembro de 1939, cumprindo os protocolos secretos do Pacto Molotov-Ribbentrop, a União Soviética invadiu a Polônia. Com mais de meio milhão de soldados da Frente Bielorrussa e da Frente Ucraniana, Stalin desferiu o golpe final contra uma nação já exaurida. A justificativa oficial de Moscou – “proteger as populações ucraniana e bielorrussa” – era uma farsa cínica. A invasão foi uma apunhalada nas costas, selando o destino da Polônia e dividindo seu território entre dois tiranos.
A invasão soviética foi particularmente traiçoeira porque ocorreu quando as forças polonesas estavam concentradas na frente ocidental, lutando contra os alemães. O governo polonês, que havia se retirado para o sudeste do país, viu-se subitamente cercado por dois inimigos. A resistência polonesa no leste foi desorganizada e esporádica, não porque os soldados fossem covardes, mas porque foram pegos completamente de surpresa. Muitos oficiais poloneses, acreditando que os soviéticos vinham como aliados contra os alemães, foram facilmente capturados. Este seria um erro fatal, como os eventos posteriores demonstrariam tragicamente.
A Destruição Sistemática da Nação Polonesa

Ruínas de uma ponte destruída por tropas alemãs perto de Sochaeczew, Polônia, 1939.
A campanha de setembro de 1939 não foi apenas uma conquista militar; foi o início de um genocídio planejado. Tanto alemães quanto soviéticos tinham planos detalhados para a eliminação da identidade nacional polonesa. O Generalplan Ost alemão previa a escravização ou extermínio de 85% da população polonesa, enquanto os soviéticos implementaram deportações em massa para o Gulag siberiano. Estima-se que 1,5 milhão de poloneses foram deportados pelos soviéticos entre 1939 e 1941, com centenas de milhares morrendo de fome, frio e exaustão nos campos de trabalho forçado.
A destruição não foi apenas física, mas também cultural. Escolas polonesas foram fechadas, a língua polonesa foi banida, igrejas foram destruídas e intelectuais foram sistematicamente eliminados. O objetivo era apagar a Polônia da história, transformando seu território em lebensraum alemão no oeste e em república soviética no leste. Contudo, o espírito polonês mostrou-se mais resistente que seus ocupantes imaginavam. A resistência clandestina, que começou imediatamente após a ocupação, cresceria até se tornar o maior movimento de resistência da Europa ocupada.
Massacre de Katyn: O Extermínio Planejado da Elite Polonesa por Stalin

Fotografia mostrando uma das valas comuns descobertas na Floresta de Katyn, com pessoas observando ao redor. Fonte: Warsaw Institute
A ocupação soviética foi marcada por uma brutalidade sistemática que rivalizava com a dos nazistas. O crime mais infame foi o Massacre de Katyn, em 1940. Por ordem direta de Stalin, aprovada pelo Politburo em 5 de março de 1940, a NKVD (polícia secreta soviética) executou quase 22.000 oficiais, intelectuais, policiais, padres e líderes comunitários poloneses. O objetivo era decapitar a nação, eliminando sua elite pensante e militar para facilitar a futura sovietização da Polônia.
Os massacres ocorreram em múltiplos locais: na floresta de Katyn, perto de Smolensk, foram executados 4.421 oficiais; em Kalinin (atual Tver), 6.311 policiais e intelectuais; em Kharkiv, 3.820 prisioneiros; e em outros campos, milhares mais. Cada execução foi meticulosamente documentada pela NKVD, com os prisioneiros sendo mortos com um tiro na nuca. Descoberto pelos alemães em 1943, o massacre foi cinicamente negado pela União Soviética até 1990, que culpava os nazistas pelo crime. Katyn permanece como um símbolo sombrio da traição e da crueldade infligida à Polônia pela União Soviética, um crime que envenenou as relações entre poloneses e russos e que perdura até os dias atuais.
Vitória Amarga dos Conquistadores

Adolf Hitler durante a parada da vitória da Alemanha sobre a Polônia em Varsóvia. Foto: Hugo Jaeger.
Em 5 de outubro de 1939, Hitler desfilou pelas ruas devastadas de Varsóvia, celebrando sua vitória. A parada militar alemã, documentada pelo fotógrafo pessoal do Führer, Hugo Jaeger, mostrava soldados marchando por uma cidade em ruínas, com prédios destruídos e escombros por toda parte. A imagem era simbólica: a vitória alemã havia sido conquistada, mas a um custo que prenunciava os horrores que estavam por vir. A resistência polonesa havia sido mais feroz do que esperado, e a campanha, que deveria durar poucos dias, estendeu-se por mais de um mês.
A presença de Hitler em Varsóvia não foi apenas uma celebração, mas também uma demonstração de poder. O ditador alemão queria mostrar ao mundo que a Alemanha havia ressurgido como uma potência militar dominante. Contudo, a vitória na Polônia também revelou as limitações da máquina de guerra alemã. Muitos tanques quebraram durante a campanha, as linhas de suprimento foram esticadas ao limite, e as baixas alemãs, embora menores que as polonesas, foram significativas. A Wehrmacht havia vencido, mas não sem custo, e a experiência na Polônia forçou os alemães a repensar suas táticas para futuras campanhas.
O Luto de uma Nação

Poloneses enterram seus entes queridos em parques e ruas de Varsóvia após a invasão da Alemanha.
A imagem mais tocante da campanha de setembro talvez seja a de civis poloneses enterrando seus mortos nos parques e ruas de Varsóvia. Com os cemitérios destruídos pelos bombardeios e o sistema funerário colapsado, as famílias foram forçadas a sepultar seus entes queridos onde pudessem. Tal cena, repetida em toda a Polônia ocupada, simbolizava não apenas o fim de uma campanha militar, mas o início de um pesadelo que duraria seis anos. Contudo, mesmo neste momento de desespero absoluto, o povo polonês demonstrava sua dignidade e humanidade, honrando seus mortos mesmo em meio à destruição.
O Legado da Resistência
A campanha de setembro de 1939 não foi um passeio militar para a Alemanha; foi uma luta feroz que demonstrou a indomável bravura do povo polonês. Embora militarmente derrotada, a Polônia nunca se rendeu oficialmente. O governo no exílio, estabelecido primeiro em Paris e depois em Londres, continuou a luta, organizando forças armadas que lutariam em todas as frentes da Segunda Guerra Mundial. A resistência interna, que começou imediatamente após a ocupação, cresceria até se tornar o maior movimento de resistência da Europa ocupada.
A Polônia foi o primeiro país a resistir ao nazismo, e sua resistência custou caro aos ocupantes. Durante os seis anos de ocupação, os poloneses nunca cessaram de lutar, sabotando as operações alemãs, salvando judeus do Holocausto e mantendo viva a chama da liberdade. Quando a guerra terminou em 1945, a Polônia estava devastada, mas não derrotada. O espírito que animou os defensores de Westerplatte e Varsóvia em setembro de 1939 continuaria a inspirar gerações de poloneses na luta pela liberdade, culminando na queda do comunismo em 1989.
Referências Bibliográficas
- “Charge at Krojanty.” Wikipedia, The Free Encyclopedia. https://en.wikipedia.org/wiki/Charge_at_Krojanty.
- “Katyn Massacre.” Britannica. https://www.britannica.com/event/Katyn-Massacre.
- “Polish Cavalry Myth Debunked: CNBC vs the Polish Embassy.” Warfare History Network. https://warfarehistorynetwork.com/polish-cavalry-myth-debunked-cnbc-vs-the-polish-embassy/.
- “Records Relating to the Katyn Forest Massacre.” National Archives, 2023. https://www.archives.gov/research/foreign-policy/katyn-massacre.
- “Soviet Union Invades Poland.” History. https://www.history.com/this-day-in-history/september-17/soviet-union-invades-poland.











Sou pesquisador independente comprometido com uma investigação profunda sobre geopolítica, história e memória visual. Fui coordenador do Imagens Históricas, que chegou a ser o maior projeto independente do Brasil no biênio 2012-2014, com mais de 1 milhão de seguidores apenas no Facebook. Acredito que compreender o passado com profundidade é uma forma de decifrar o presente e antecipar o futuro. Criei o GeoMagno como um espaço para explorar conexões culturais esquecidas, fatos relevantes e os impactos silenciosos dos grandes acontecimentos sobre a nossa identidade coletiva. Entre arquivos, documentos e narrativas visuais, busco transformar história em uma experiência acessível, rica em contexto e livre de revisionismo e simplificações.