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Guerra da Geórgia em 2008: O Prelúdio de Putin Para a Ucrânia

Um homem georgiano chora pela morte de um parente após um bombardeio russo em Gori, a 80km da capital Tbilisi. A foto, de Gleb Garanich (Reuters), se tornou um símbolo do sofrimento humano na guerra. Gori é, ironicamente, a cidade natal de Josef Stalin.

Em agosto de 2008, o mundo assistiu ao que a máquina de propaganda do Kremlin habilmente rotulou como uma “operação de imposição da paz”. A narrativa oficial russa, repetida incansavelmente pela mídia estatal, pintava um quadro de uma Geórgia agressora cometendo “genocídio” contra a pequena Ossétia do Sul, forçando a “benevolente” Rússia a intervir para proteger civis inocentes.

A Guerra dos Cinco Dias foi a “Guerra de Mentira”, uma farsa meticulosamente construída para mascarar uma realidade brutal: uma invasão imperialista premeditada, a primeira guerra europeia do século XXI, que serviria como um manual para as futuras agressões de Vladimir Putin.

Informação Descentralizada Imune à Propaganda Russa

O artigo, reformulado depois de ser escrito originalmente poucos anos depois do ocorrido, em uma época em que a informação descentralizada ainda não era totalmente difundida, se baseia em fatos concretos, investigações independentes e relatórios internacionais. Isso irá desconstruir totalmente a narrativa mentirosa da Rússia.

Será exposto, sem margem para dúvidas, como o regime de Putin orquestrou uma campanha de provocação, lançou uma invasão em larga escala sob um pretexto falso, cometeu crimes de guerra e implementou uma limpeza étnica. Tudo em nome de um projeto expansionista que ecoa as táticas mais sombrias da história europeia, que inclusive expandiu para a Ucrânia nos anos seguintes. A verdade sobre a Guerra dos Cinco Dias não é a de uma intervenção humanitária, mas sim a de uma agressão criminosa e injusta que deixou um rastro de destruição, morte e sofrimento humano.

Anatomia de uma Mentira: Narrativa Russa versus Realidade dos Fatos

A pedra angular da propaganda russa foi a alegação de que a Geórgia lançou um ataque surpresa e não provocado na noite de 7 para 8 de agosto de 2008, forçando a Rússia a responder. Esta é uma distorção grosseira da realidade. A verdade, confirmada por múltiplas fontes, incluindo o relatório da União Europeia (conhecido como Relatório Tagliavini), é que a ofensiva georgiana foi a culminação de meses de provocações intensas e uma escalada militar orquestrada pela Rússia.

Narrativa da Propaganda Russa x Realidade dos Fatos Concretos

Propaganda Russa – A Geórgia iniciou a guerra com um ataque surpresa em 7 de agosto.
FATO – A Rússia e seus representantes na Ossétia do Sul iniciaram bombardeios a aldeias georgianas em 1º de agosto, quebrando o cessar-fogo de 1992.

Propaganda Russa – A Rússia interveio para impedir um “genocídio” georgiano.
FATO – A acusação de genocídio foi totalmente fabricada. Não há nenhuma evidência que a sustente. Foi um pretexto para a invasão.

Propaganda Russa – As tropas russas entraram na Geórgia apenas após o ataque georgiano.
FATO – Unidades do 58º Exército Russo cruzaram a fronteira ilegalmente através do Túnel Roki antes da resposta militar georgiana em 7 de agosto.

Propaganda Russa – A Rússia estava conduzindo uma “operação de paz”.
FATO – A Rússia conduziu uma invasão em larga escala por terra, ar e mar, atacando alvos civis muito além da zona de conflito e ocupando cidades georgianas.

Propaganda Russa – A Rússia protegeu os civis da Ossétia do Sul.
FATO – Milícias ossetas, com o apoio russo, realizaram uma campanha sistemática de limpeza étnica, destruindo aldeias georgianas e expulsando a população.

Prelúdio da Invasão da Geórgia: Anos de Provocação Russa

A agressão de 2008 não surgiu do vácuo. Foi o ápice de uma política deliberada do Kremlin para minar a soberania da Geórgia desde a sua independência da União Soviética e, especialmente, após a Revolução das Rosas de 2003, que levou ao poder o governo pró-ocidental de Mikheil Saakashvili. A aproximação da Geórgia com a OTAN e a União Europeia era vista por Putin como uma ameaça direta à sua esfera de influência.

O Kremlin usou as regiões separatistas da Abcásia e Ossétia do Sul  como ferramentas para desestabilizar a Geórgia. A Rússia distribuiu passaportes russos em massa para as populações locais, uma tática cínica para mais tarde justificar uma intervenção sob o pretexto de “proteger cidadãos russos”. Aumentou o apoio militar e financeiro aos regimes separatistas, violando acordos internacionais.

Os incidentes se multiplicaram nos meses que antecederam a guerra:

  • Abril de 2008 A Rússia anunciou o estabelecimento de laços oficiais com as regiões separatistas, uma violação flagrante da soberania georgiana.
  • Maio de 2008 A Rússia enviou tropas adicionais para a Abcásia, sob o pretexto de “reparar ferrovias”, aumentando sua presença militar ilegal no território georgiano.
  • Julho de 2008 A Rússia realizou um grande exercício militar, “Cáucaso 2008”, que simulava abertamente uma invasão da Geórgia. As tropas que participaram deste exercício foram as mesmas que, semanas depois, invadiram o país.
  • 1 a 6 de agosto de 2008 Separatistas da Ossétia do Sul, com apoio russo, iniciaram uma série de ataques com morteiros e franco-atiradores contra aldeias etnicamente georgianas, matando civis e policiais georgianos. A Geórgia respondeu esporadicamente, mas buscou o diálogo, que foi rejeitado.

Ficou claro que a Rússia estava empurrando a Geórgia para uma armadilha. O objetivo era provocar uma resposta militar georgiana que pudesse ser usada como o pretexto perfeito para uma invasão em grande escala.

A Invasão Russa da Geórgia: O Manual do Imperialismo Russo em Ação

Soldados georgianos correm para se abrigar durante um combate intenso em Tskhinvali, a capital da Ossétia do Sul, no início do conflito. A resposta georgiana foi uma reação a meses de provocações e ataques separatistas apoiados pela Rússia.

Soldados georgianos correm para se abrigar durante um combate intenso em Tskhinvali, a capital da Ossétia do Sul, no início do conflito. A resposta georgiana foi uma reação a meses de provocações e ataques separatistas apoiados pela Rússia.

Na noite de 7 de agosto, após dias de ataques incessantes e com a confirmação de que unidades regulares do exército russo já estavam se movendo através do Túnel Roki para dentro do seu território, o governo georgiano tomou a decisão desesperada de lançar uma operação para restaurar a ordem constitucional na Ossétia do Sul. Foi exatamente o casus belli que Putin esperava.

Em questão de horas, a Rússia lançou a “Operação de Imposição da Paz”. Dezenas de milhares de soldados, centenas de tanques e aeronaves de combate foram despejados na Geórgia. A resposta russa foi totalmente desproporcional e foi muito além da Ossétia do Sul. A Força Aérea Russa bombardeou cidades como Gori e Poti, portos, aeroportos e infraestrutura civil em todo o país. A Marinha Russa bloqueou a costa georgiana no Mar Negro. Foi uma invasão total, projetada para esmagar as forças armadas da Geórgia e aterrorizar sua população.

Destruição em Gori

Um homem georgiano chora pela morte de um parente após um bombardeio russo em Gori, a 80km da capital Tbilisi. A foto, de Gleb Garanich (Reuters), se tornou um símbolo do sofrimento humano na guerra. Gori é, ironicamente, a cidade natal de Josef Stalin.

Um homem georgiano chora pela morte de um parente após um bombardeio russo em Gori, a 80km da capital Tbilisi. A foto, de Gleb Garanich (Reuters), se tornou um símbolo do sofrimento humano na guerra. Gori é, ironicamente, a cidade natal de Josef Stalin.

O mundo testemunhou o sofrimento humano em tempo real. A imagem do homem chorando em Gori (foto de abertura) capturou a dor de uma nação sob ataque. Civis fugindo em comboios foram alvejados. Bombas de fragmentação, armas indiscriminadas, foram usadas em áreas povoadas. O relatório da Human Rights Watch documentou extensivamente esses crimes de guerra.

“As forças russas usaram força indiscriminada no contra-ataque na Ossétia do Sul e na cidade de Gori, já dentro do território da Geórgia, aparentemente alvejando comboios de civis que tentavam fugir das zonas de conflito.” – Human Rights Watch, 18 de agosto de 2008.

Enquanto as tropas russas avançavam, as milícias da Ossétia do Sul, agindo sob a proteção russa, iniciaram uma campanha brutal de limpeza étnica. Aldeias etnicamente georgianas dentro e ao redor da Ossétia do Sul foram sistematicamente saqueadas, queimadas e destruídas. A população georgiana foi expulsa de suas casas em uma onda de terror. O objetivo era claro: apagar qualquer presença georgiana da região, criando uma realidade demográfica que solidificasse o controle russo.

Batalha por Gori: O Coração da Geórgia Sob Fogo

Mulher georgiana ferida após bombardeios na cidade de Gori, Geórgia, durante a Guerra dos Cinco Dias. Foto: Davi Mdzinarishvilli/Reuters

Mulher georgiana ferida após bombardeios na cidade de Gori, Geórgia, durante a Guerra dos Cinco Dias. Foto: Davi Mdzinarishvilli/Reuters

Gori, a cidade natal de Josef Stalin, tornou-se o símbolo da brutalidade russa na Guerra dos Cinco Dias. Localizada a apenas 25 quilômetros de Tskhinvali e situada na principal rodovia leste-oeste da Geórgia, Gori era um alvo estratégico crucial para os planos russos de “cortar o país pela metade”.

Os primeiros bombardeios russos contra Gori começaram às 11h00 do dia 8 de agosto, quando quatro aviões russos atacaram a cidade. O padrão era claro desde o início: a Rússia não estava interessada apenas em “proteger” a Ossétia do Sul, mas em aterrorizar a população civil georgiana. Durante a noite, bombas russas atingiram uma fábrica têxtil e uma torre de celular, demonstrando que os alvos eram tanto militares quanto civis.

9 de Agosto

Mulher ferida chora em frente a um edifício de apartamentos, bombardeado durante um ataque aéreo russo. O incidente ocorreu no norte da cidade georgiana de Gori, no dia 9 de agosto de 2008. De acordo com o fotógrafo, a mulher ferida foi auxiliada por vizinhos e evacuada para uma área segura. (AP Photo/George Abdaladze)

Mulher ferida chora em frente a um edifício de apartamentos, bombardeado durante um ataque aéreo russo. O incidente ocorreu no norte da cidade georgiana de Gori, no dia 9 de agosto de 2008. De acordo com o fotógrafo, a mulher ferida foi auxiliada por vizinhos e evacuada para uma área segura. (AP Photo/George Abdaladze)

O bombardeio de 9 de agosto revelou a verdadeira natureza da “operação de paz” russa. Às 06h27 GMT, aviões de guerra russos atacaram uma instalação de artilharia georgiana próxima a Gori, mas os ataques se espalharam para guarnições militares, prédios residenciais e uma escola. O governo georgiano relatou 60 civis mortos neste único dia. O Daily Telegraph comparou o bombardeio de Gori ao bombardeio indiscriminado de Grozny durante a guerra na Chechênia, estabelecendo um paralelo perturbador com as táticas brutais que Putin havia usado contra seu próprio povo.

10 de Agosto

A situação se deteriorou rapidamente. Em 10 de agosto, 80% dos residentes de Gori haviam fugido, segundo cálculos da UNHCR e do Programa Mundial de Alimentos. As ruas da cidade se encheram de refugiados desesperados, muitos carregando apenas o que conseguiam levar nas mãos.

Um refugiado georgiano, em uma declaração profética que ecoaria anos depois, disse:

“Amanhã será a Ucrânia e ninguém no Ocidente está fazendo nada para pará-los”

11 de Agosto

O momento mais dramático veio em 11 de agosto, quando o presidente georgiano Mikheil Saakashvili visitou Gori usando um colete à prova de balas. Durante sua visita, jatos russos sobrevoaram a cidade, forçando seus seguranças a derrubá-lo no chão para protegê-lo. A cena, capturada por câmeras internacionais, simbolizou a vulnerabilidade da Geórgia diante da máquina de guerra russa.

12 de Agosto

O bombardeio fatal veio em 12 de agosto, quando aviões russos atacaram deliberadamente a praça principal de Gori. Sete civis foram mortos e mais de 30 feridos, incluindo o jornalista holandês Stan Storimans, que se tornou a primeira vítima internacional da agressão russa. O ataque não tinha nenhum objetivo militar. Tratou-se de terrorismo puro contra civis, um crime de guerra documentado que permanece impune até hoje.

Ocupação de Gori: Nove Dias de Terror Russo

Garotinha é evacuada da área de conflito durante a Guerra dos Cinco Dias. A imagem mostra um soldado georgiano segurando um bebê vestido de rosa, com veículos blindados de transporte de tropas (BMP) do exército georgiano visíveis ao fundo. Foto: David Mdzinarishvili/Reuters.

Garotinha é evacuada da área de conflito durante a Guerra dos Cinco Dias. A imagem mostra um soldado georgiano segurando um bebê vestido de rosa, com veículos blindados de transporte de tropas (BMP) do exército georgiano visíveis ao fundo. Foto: David Mdzinarishvili/Reuters.

Em 13 de agosto, as forças russas finalmente ocuparam Gori, iniciando nove dias de terror que demonstraram as verdadeiras intenções do Kremlin. A ocupação foi comandada pelos generais Vyacheslav Borisov e Sulim Yamadayev, este último um checheno notório por sua brutalidade durante as guerras na Chechênia.

A ocupação de Gori não foi apenas militar, mas também uma demonstração de poder destinada a aterrorizar a população georgiana e humilhar a Geórgia. As forças russas incluíam a 58ª Armada Combinada de Guardas, o infame Batalhão Vostok (composto por chechenos leais a Moscou) e unidades da Força Aérea Russa. Durante os nove dias de ocupação, nove oficiais georgianos foram mortos e três desapareceram, enquanto 14 civis foram assassinados e 22 desapareceram.

A ocupação criou pelo menos 56.000 refugiados georgianos apenas de Gori, famílias inteiras forçadas a abandonar suas casas ancestrais. Muitos nunca retornaram, transformando a ocupação temporária em deslocamento permanente. As forças russas saquearam propriedades, destruíram infraestrutura civil e permitiram que milícias ossetas cometessem atrocidades contra civis georgianos.

Avanço em Direção a Tbilisi: A Capital da Geórgia Sob Ameaça

Enquanto o mundo assistia horrorizado, as forças russas não pararam em Gori. O exército russo continuou avançando em direção a Tbilisi, chegando a apenas 40 quilômetros da capital georgiana. O objetivo estratégico era claro: “cortar o país pela metade”, como admitiu um oficial georgiano. Caso fosse bem-sucedido, a ofensiva russa teria efetivamente dividido a Geórgia em duas partes, isolando a capital do resto do país.

O avanço russo em direção a Tbilisi foi acompanhado por uma campanha de ocupação em múltiplas frentes. No oeste, forças russas movendo-se através da Abcásia ocuparam as cidades estrategicamente importantes de Poti, Zugdidi e Senaki. Poti, o principal porto da Geórgia no Mar Negro, foi particularmente crucial, vez que sua ocupação cortou o acesso marítimo georgiano e demonstrou que a Rússia estava disposta a estrangular economicamente o país.

Em Poti, as forças russas capturaram 21 soldados georgianos e confiscaram cinco Humvees americanos, levando-os para uma base militar russa em Senaki. A ação foi uma humilhação deliberada tanto para a Geórgia quanto para os Estados Unidos, demonstrando que nem mesmo o equipamento militar americano poderia proteger os aliados de Washington da agressão russa.

Pressão Internacional: Diplomacia Sob Fogo

Conforme as forças russas se aproximavam de Tbilisi, a pressão internacional finalmente começou a se materializar. O presidente francês Nicolas Sarkozy, então presidente rotativo da União Europeia, voou para Moscou em 12 de agosto para negociar um cessar-fogo com o presidente russo Dmitry Medvedev.

O acordo de seis pontos negociado por Sarkozy foi apresentado como um sucesso diplomático, mas na realidade foi uma vitória para a Rússia. O acordo não apenas falhou em parar o avanço russo imediatamente, mas também permitiu que a Rússia alegasse que poderia “empurrar mais fundo na Geórgia” para “implementar” o cessar-fogo. A linguagem ambígua deu à Rússia uma justificativa legal para continuar suas operações militares.

A secretária de Estado americana Condoleezza Rice voou para Tbilisi como parte dos esforços diplomáticos americanos. A pressão combinada dos Estados Unidos e da União Europeia foi finalmente decisiva para parar a invasão russa, mas o dano já estava feito. A Rússia havia demonstrado que poderia invadir um país soberano, ocupar sua capital de facto e enfrentar apenas protestos diplomáticos.

Baixas da Guerra: O Preço Humano da Agressão Russa

Os números oficiais das baixas revelam a escala devastadora da agressão russa. Do lado georgiano, 170 soldados, 14 policiais e 228 civis foram mortos, com 1.747 feridos. O total de mortos e feridos chegou a 2.232 pessoas – um número devastador para um conflito que durou apenas cinco dias.

As baixas russas oficiais foram de 67 soldados mortos, mas os números escondem uma realidade embaraçosa para o exército russo. Segundo análises posteriores, até 40% das baixas russas resultaram de acidentes de trânsito a caminho da luta, revelando problemas sérios de logística e preparação militar. A Rússia também perdeu seis aviões, embora apenas dois tenham sido abatidos por forças georgianas, sendo que os outros foram aparentemente vítimas de “fogo amigo”.

O deslocamento populacional foi talvez o aspecto mais devastador da guerra. Um total de 192.000 civis foram deslocados, com estimativas georgianas chegando a pelo menos 230.000. Apenas de Gori, 56.000 pessoas se tornaram refugiados. Mais tragicamente, 22.000 georgianos étnicos foram permanentemente expulsos da Ossétia do Sul através de uma campanha sistemática de limpeza étnica que continua até hoje.

Legado Sombrio: Ocupação, Limpeza Étnica e o Precedente para a Ucrânia

Após cinco dias de combates, um cessar-fogo foi negociado pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. O acordo exigia a retirada das tropas russas para as posições pré-conflito. A Rússia violou o acordo quase imediatamente. Em vez de se retirar, consolidou sua presença militar e, em 26 de agosto de 2008, reconheceu a “independência” da Abcásia e da Ossétia do Sul, formalizando a anexação de 20% do território soberano da Geórgia.

Desde então, a Rússia mantém milhares de soldados em bases militares ilegais nessas regiões, transformando-as em protetorados do Kremlin. Uma “fronteira” artificial, marcada por cercas de arame farpado, foi erguida, dividindo famílias e comunidades. Essa “fronteirização” rastejante continua até hoje, com as forças de ocupação russas avançando a linha de demarcação metro a metro, engolindo mais território georgiano.

O sofrimento humano foi imenso:

Mortos: Centenas de civis e militares de ambos os lados.
Limpeza Étnica: Dezenas de milhares de georgianos étnicos foram permanentemente expulsos da Abcásia e Ossétia do Sul.
Refugiados: Quase 200.000 pessoas foram deslocadas de suas casas.

Mais do que a tragédia da Geórgia, a guerra de 2008 foi um divisor de águas para a segurança europeia. Foi o momento em que a Rússia de Putin demonstrou que estava disposta a usar a força militar bruta para redesenhar fronteiras na Europa e impor sua vontade sobre seus vizinhos. A resposta tímida do Ocidente, focada mais em “não provocar” a Rússia do que em puni-la por sua agressão, foi um erro catastrófico.

O manual usado na Geórgia foi repetido quase à risca na Ucrânia em 2014 e novamente em 2022:

  1. Desestabilização interna usando representantes locais.
  2. Distribuição de passaportes para criar um pretexto de “proteção de cidadãos”.
  3. Campanha massiva de desinformação e acusações falsas de “genocídio”.
  4. Invasão militar sob o disfarce de uma “operação especial” ou “humanitária”.
  5. Anexação de território através do reconhecimento de “repúblicas independentes”.

A Guerra dos Cinco Dias não foi um evento isolado. O manual de agressão usado na Geórgia foi desenvolvido e testado primeiro na Segunda Guerra da Chechênia (1999-2009), onde Putin estabeleceu os pilares de sua estratégia imperial

A Verdade Como Arma

A história da Guerra Russo-Georgiana de 2008 é uma lição brutal sobre a natureza do regime de Putin e a importância de confrontar a agressão com força e determinação. A narrativa russa de uma “guerra de mentira” desmorona sob o peso dos fatos. Não houve genocídio georgiano. Houve uma invasão russa premeditada. Não houve uma operação de paz. Houve uma guerra de conquista que resultou em crimes de guerra e limpeza étnica.

Lembrar a verdade sobre a Guerra dos Cinco Dias é escancarar para o mundo o modus operandi criminoso do Estado Russo. Enquanto 20% do território da Geórgia permanecer sob ocupação russa, e enquanto a Rússia continuar a usar a força para subjugar seus vizinhos, a paz na Europa permanecerá sob ameaça. A primeira vítima da guerra é a verdade, e a primeira arma contra a tirania é restaurá-la.

Referências Bibliográficas

  1. Human Rights Watch. Up in Flames: Humanitarian Law Violations and Civilian Victims in the Conflict over South Ossetia. Human Rights Watch, 2009. https://www.hrw.org/report/2009/01/23/flames/humanitarian-law-violations-and-civilian-victims-conflict-over-south.
  2. Independent International Fact-Finding Mission on the Conflict in Georgia (IIFFMCG). Report. Vols. I–III. 2009. https://www.mpil.de/files/pdf4/IIFFMCG_Volume_II1.pdf.
  3. Carnegie Endowment for International Peace. The Still-Topical Tagliavini Report. Carnegie Endowment for International Peace, 2015.
  4. Institute for the Study of War. The Kremlin’s Playbook: The 2008 Russo-Georgian War. Institute for the Study of War, 2023.
  5. “Russia’s War in Georgia: The Truth behind the Lies.” The Guardian, 2008. Link.
  6. Amnesty International. Civilians in the Line of Fire: The Georgia–Russia Conflict. Amnesty International, 2008.
  7. “Russian Influence Operations in Georgia: A Threat to Democracy and Regional Stability.” Foreign Policy Research Institute, 2025. https://www.fpri.org/article/2025/03/russian-influence-operations-in-georgia-a-threat-to-democracy-and-regional-stability/.
  8. Jamestown Foundation. The Guns of August 2008: Russia’s War in Georgia. Jamestown Foundation, 2008.
  9. International Crisis Group. Russia vs Georgia: The Fallout. International Crisis Group, 2008.
03/10/2025

Guerra dos Cinco Dias em 2008: como Putin usou mentiras sobre genocídio para invadir a Geórgia, testar a reação do ocidente e preparar a invasão da Ucrânia.

Italo Magno Jau

Sou pesquisador independente comprometido com uma investigação profunda sobre geopolítica, história e memória visual. Fui coordenador do Imagens Históricas, que chegou a ser o maior projeto independente do Brasil no biênio 2012-2014, com mais de 1 milhão de seguidores apenas no Facebook. Acredito que compreender o passado com profundidade é uma forma de decifrar o presente e antecipar o futuro. Criei o GeoMagno como um espaço para explorar conexões culturais esquecidas, fatos relevantes e os impactos silenciosos dos grandes acontecimentos sobre a nossa identidade coletiva. Entre arquivos, documentos e narrativas visuais, busco transformar história em uma experiência acessível, rica em contexto e livre de revisionismo e simplificações.